Depreciativo NÃO é depressivo!

Não tenho paciência para longas depressões
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Se estiver depreciativo...

Vem beber comigo


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Depois dos Bares

    Ainda naquela noite ele caminhou até o carro observando a cidade vazia com poças por todo chão, sentiu uma vontade enorme de caminhar por horas pela rua, na verdade a praia estava perto e poderia até ver o sol nascer, se imaginou tomando um banho de mar naquela manhã fria, pensou nas idéias que poderia ter, ou na limpeza que talvez ocorresse em sua mente, seria uma cena poética certamente, mas ao chegar junto ao carro acovardou-se e desistiu.
    O guardador não estava mais por lá, como esperado pelo horário, mas ele pensou na possibilidade do mesmo estar escondido e entrou rápido no carro tentando evitar o corriqueito conflito psicológico por conta de cinco reais. Enquanto arrancava apressado lamentou por frustrar seus planos da caminhada solitária, na verdade tinha mesmo muito medo de andar sozinho pela madrugada naquela cidade, e sabia que a beleza dessa caminhada seria justamente a coragem e a possibilidade dos riscos.
    Decepcionado vagou com o carro por alguns minutos, assim era mais seguro, menos interessante, porém bem mais seguro. No momento seguinte achou muito sem sentido ficar dando voltas na cidade vazia, mesmo porque ninguém veria seu culto à solidão e aquilo ainda era importante para ele, por isso mesmo continuava sentindo-se um homem vazio tentando encontrar alguma profundidade em seu eu, alguma coisa de interessante além de sua enorme beleza, algum contraponto a sua covardia.
    Decidiu voltar para a casa de seus pais, acendeu logo um cigarro, pois eles não sabiam que seu filho fumava.
    Cantarolou algumas músicas e ficou feliz por esquecer a misteriosa fugitiva, o que havia de errado em seu nome? De qualquer forma ficou feliz simplesmente por não ter ficado nas ruas cultuando a tristeza da dúvida e da rejeição, pensou ter achado a profundidade na simplicidade de seus sentimentos.

    Entrando em casa vieram frases que rabiscou num papel:

       "Os homens andam procurando respostas inúteis, para perguntas fúteis.
        Os homens vivem se escondendo em sorrisos 
        Os homens vivem querendo corrigir erros que vão cometer
        Os homens vivem tristes esperando que algo venha acontecer,
        Os homens pulam alegres por um minuto de poder esquecer
        Homens apanham por não querer,
        Homens são obrigados a sorrir, mesmo sem beber"

    Abriu uma garrafa de vinho e se sentou para trabalhar nas palavras, continuava acreditando que deveria ser escritor, alguma coisa viria, aquilo poderia ser grande! Entretanto nada mais apareceu em sua cabeça e foi dormir mais uma vez triste, porém bêbado.

    Acordou com a ressaca e a culpa de não ter nada de urgente pra fazer. Carregou essa culpa durante todo um dia inútil, pensando na maré de azar que vinha te acompanhando, tentando entender o motivo daquela falta de ânimo, na sucessão de fracassos e rejeições. Seria ele, Vicente, um total incompetente em todas as áreas de sua vida? Dormiu outra noite sem respostas, sem perspectivas, sem estudar, sem escrever, sem trabalhar, sem se apaixonar, sem sorrir, sem chorar e sem trocar grandes palavras com ninguém.

    Acordou durante a noite com um pedaço de vida. Chorou por se sentir cruel, pensou na virgindade de Camila que ele findou no final do ano passado, enchendo ela de promessas e da visão de seu grande e belo corpo forte. Pensou no sofrimento de Laura que se apaixonara por ele, mas fora desprezada, tida como ignorante e fútil por ele, que sabia distinguir as composições de Mozart das de Beethoven, que já leu um livro de Tolstoi e dois de Jorge Amado, enquanto ela assistia o big brother.

   Estaria sendo castigado por Deus? Ele cobrava por todas as pessoas que o Vicente subestimara nos últimos cinco anos? Estaria o Vicente destinado ao sofrimento em vida? e depois dela?

    Na manhã seguinte acordou mudado, desprezando os pensamentos confusos e inseguros, determinado a regar seu jardim, se encher de cultura e ser realmente uma pessoa interessante. Deixou de culpar Deus pelas coisas, afinal de contas intelectual e crente eram palavras antagônicas em seu limitado ponto de vista. Trocou de roupa, alimentou os peixes e foi para rua, parou numa livraria, folheou os autores recomendados por conhecidos que ele julgava interessante e se identificou num trecho de Espere a Primavera Bandini.

“Arturo Bandini estava bastante seguro de que não iria para o inferno quando morresse. A maneira de ir para o inferno era cometer um pecado mortal. Ele havia cometido muitos, acreditava, mas o confessionário o salvara. A confissão sempre chegava a tempo… isto é, antes de morrer. E batia na madeira sempre que pensava naquilo – sempre chegaria a tempo… antes de morrer. Por isso Arturo estava bastante seguro de que não iria para o inferno quando morresse. Por duas razões.. O confessionário e o fato de que era um corredor veloz.”


    Ele comprou o romance de John Fante no cartão de crédito, voltou para casa e ficou sem saco de ler mais, dormiu, acordou no escuro, ainda eram uma e três da manhã, todos dormiam, ele andou pela casa, comeu um pedaço de pizza fria, bebeu um resto de coca-cola sem gás, fumou um cigarro, terminou os dois goles da coca que havia guardado para depois do cigarro, passou algum tempo olhando a chuva rala na janela, as poças que se formavam no chão, pensou na vida, na morte, em Deus, nas virgens (Maria e Camila), nas mães (Maria e a sem nome do bar de duas noites atrás), em Arturo, nos peixes... 
Em quase tudo a sua volta.

Então calçou um tênis e foi para a rua correr.